quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Minha Versão - Capítulo 03 - A Escola Preparatória de Cadetes de Campinas – os livros.

 

Foi uma verdadeira opção, a carreira militar. E até hoje sonho com a escola de Campinas, tenho pesadelos com angústias e saudades. Angústias das provas, acampamentos, marchas forçadas e saudades das camaradagens, festas, zoeiras na cidade. Campinas que

infelizmente vi apenas através dessas lentes.

 

Todo mundo deveria fazer o segundo grau numa coisa tipo “Escola Preparatória de Cadetes de Campinas”.

 

Ali aprendi o que é disciplina de verdade, você tem que acordar às 5:50h da manhã querendo ou não, tem que estar às 6:20h em forma para o café da manhã com a cama e armário arrumados e vestido impecavelmente (botas e fivela do cinto brilhando), às 7:00h em forma para o desfile matinal e às 7:30 na sala para a primeira aula da manhã, e assim por diante até o fim do dia.

 

Apesar de tudo isso, das físicas, químicas e matemáticas, encontrávamos tempo para ler escondido, Gramsci,  Engels, Trotsky, Erich Fromm, Caio Prado Junior, Marta Harnecker, etc. Ler, discutir e comparar tudo isso com a ditadura que vivíamos, de certa forma por nossa culpa, porque éramos antes de tudo, militares. 

 

Formamos ai um grupo de estudo, já meio clandestino, com brilhantes e saudosos colegas, que mais tarde vim a encontrar na clandestinidade, no exílio, ou saber de suas ações ou prisões. Não éramos mais que uma dúzia e o interessante é que eram excelentes alunos e na maioria nordestinos. Cinco anos depois, esse grupo foi descoberto e expulso da Academia Militar das Agulhas Negras pelo crime de discutir organizadamente política brasileira. 

 

Por outro lado, a cidade de Campinas era uma festa para nós. Tínhamos pouco dinheiro, é verdade, mas as garotas adoravam os “Cadetes” da escola que ficava no morro do Castelo. Dos bailes de formatura e debutantes, onde comparecíamos com nossos uniformes de gala, aos puteiros do Taquaral onde os rapazes de quinze a vinte anos faziam a alegria da casa e no fim da noite adormeciam nos colos cansados e maternais das putas campineiras, éramos presença obrigatória.

 

Ás vezes a dureza era tanta, que nos domingos à noite íamos para a praça do cinema Ouro Verde filar pasteis dos colegas que saiam do cinema e estavam com a mesada em dia. Outra estratégia era namorar uma menina de mãe caridosa e boa cozinheira. Até hoje me lembro com saudades e um pouco de remorso das massas maravilhosas dos almoços de domingo de uma  sogrinha de sobrenome italiano que cultivei durante um ano inteiro. Comia uma deliciosa lasanha para depois cochilar e namorar no sofá vendo o programa de domingo na televisão.  

 

Muitas são as lembranças desse período, mas ficam para uma outra oportunidade, afinal são apenas uma passagem para chegar a 1968 e ao exílio.