domingo, 21 de fevereiro de 2021

Minha Versão - Capítulo 23 - Cheguei nas Torres de Macul em plena festa junina

Cheguei nas Torres de Macul em plena festa junina – Gente muito esquisita.

 

Passei mais uns dias na casa de Jonnas antes de ir para a casa do Jones.

A mulher do Jones, dizia que o encontro comigo tinha feito muito bem para ele, que estava mais animado, e que gostaria que eu já estivesse morando em sua casa quando ele voltasse da clínica. Disse que minha presença mais alegre o faria conversar e quem sabe até rir um pouco.

 

Fiquei de me mudar na sexta anterior à semana que o Jones sairia da clínica, depois que ela voltasse do trabalho.

 

Consegui localizar a “población” que era bem distante de onde estava, em Providencia. Também fácil encontrar a casinha deles.

 

Difícil foi entender o que estava acontecendo.

Logo na entrada, topei com um cara vestido de cangaceiro!

No canteiro central da avenida das torres de transmissão várias barraquinhas interligadas por cordinhas com bandeirolas.

 

Um alto-falante começou a tocar Luiz Gonzaga. Não conseguia acreditar no que estava vendo, será que tinha desbundado já na primeira semana, e comecei a ter alucinações?

 

Que nada, era uma festa junina nordestina em pleno mês de outubro.

Pessoas vestidas com roupas com remendos, mulheres de vestido de chita, um autêntico São João nas Torres de Macul.

 

Tinha barraquinha de todo tipo, de “pescaria”, de dardo, prendas, etc... 

Só não tinha “prisão” abolida nas festas junino-chilenas de outubro. 

 

Quentão, batata doce, inhame com melado, rapadura, queijo de coalho, tudo importado do Brasil.

 

A diferença eram as pessoas, muito estranhas. Todos os homens cabeludos com longas barbas, as mulheres muito estranhas, pareciam saídas de Woodstock. Os papos só sobre política brasileira, ditadura, “ações” das organizações. Tudo muito velado em códigos que não conseguia desvendar. 

 

A colônia brasileira, ou o “gueto” como eu chamava estava totalmente descolada da realidade chilena, viviam como no Brasil, faziam as festas brasileiras, até o carnaval, e isso era o que mais me incomodava. Havia gente que estava aqui desde 64, e muito pouco sabiam ou interagiam com a cultura, a política e a sociedade chilena. Uma grande oportunidade de se renovarem, aprender nova cultura, outra língua, crescer, mas não. Parece que se reafirmando como brasileiros, vivendo em redomas isoladas, sentiam menos a distância e a diáspora. O espanhol que falavam, era um português recheado de palavras castelhanas com forte sotaque, parece que não queriam aprender, como yanques de férias no México.

 

Aquilo tudo me incomodou, eu já estava gostando tanto do Chile que não me interessava mais por aquilo que via, a fixação no Brasil.

Refugiei-me na casa do Jones. A mulher dele me mostrou o quarto que me tocava. Apenas um armário embutido na parede e um colchão no chão.  Foi legal e me emprestou uns lençóis e um cobertor, porque mesmo no verão, as noites eram bem frias. 

 

Fiquei desfazendo minha sacola de roupa, arrumando as coisas da mochila no armário, arrumando a “cama” com os lençóis e me surpreendo novamente com o barulho que vinha da sala.

 

Um vinil de Caetano cantando London, London, e muitas vozes. 

Várias pessoas todas muito estranhas tinham vindo direto da festa junina para fazer um baile na casa do Jones, embora ele não estivesse.

Sai do quarto e Caetano dizia:

 

“Go looking for flying saucers in the sky”

 

As pessoas dançavam com copos de vinho na mão, quase todos com olhares vagos e distantes para o teto, tanto que também olhei procurando discos voadores.

 

As vozes aumentavam de volume acompanhando Caetano quando cantava:

 

I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely so
I cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear
I know, I know no one here to say hello

 

While my eyes ....

 

Entendi, era o hino do exílio. Todos sentiam o mesmo que Caetano no exílio, na bela, fria, distante e solitária Londres. 

 

A sala tinha uma grande porta-janela que dava para um lindo jardinzinho, que apesar do frio estava cheio de gente. Uma estranha rodinha.

Precisava socializar, conhecer as pessoas, interagir, afinal essa seria minha turma por não sei quanto tempo.

 

Sai e fui invadido por uma forte “maresia”. 

Um baseado passava de mão em mão. Tive que entrar na roda, e entender um pouco mais da minha nova “comunidade”.