sexta-feira, 9 de abril de 2021

Minha Versão - Capítulo 30 - Natal na casa de Mario Pedrosa - Geraldo Vandré em busca de platéia - casais trocados.

 Natal na casa de Mario Pedrosa - Geraldo Vandré em busca de platéia - casais trocados.

E o Natal chegou. Nós todos, quase todos marxistas, materialistas, dialéticos, no exílio, chorávamos e nos embriagávamos no Natal, com a saudade da família e dos vários significados que a data tinha para cada um.

 

Mario Pedrosa na época com 71 anos,  resolveu fazer um “Natal dos exilados”.

Convidou sua secretária que era esposa de Jones, que me convidou, e vários outros amigos que também convidaram outros amigos. 

O número de convidados crescia em proporção geométrica, chegando praticamente a quase toda a colônia brasileira no exílio em Santiago.

 

Eu e Eliane, morando temporariamente na casa de Elígio fomos curiosos e alegres à festa, afinal íamos conhecer muitos e importantes brasileiros no exílio.

Era uma sexta-feira, e isso contribuiu para a presença maciça.

 

Um Natal estranho, sem Papai Noel, sem presentes e sem crianças. Só caras barbudos discutindo política e a apropriação comercial que a burguesia havia feito da data,  principalmente entre tantos ateus, até que, depois de bêbados, choravam lembrando dos seus Natais, suas infâncias e suas famílias.

 

Estavam na festa, Jones e sua mulher, Jorginho e Zezé, ela correspondente da Folha de São Paulo, e ele que se dizia colaborador do Pasquim, embora só tivesse publicado uma pequena coluna há algum tempo. 

 

Geraldo Vandré trouxera seu violão, pensando, como vim a saber depois, em fazer uma breve apresentação. 

 

Léo e sua esposa Helena, amigos de Jones, com já alguns anos de casados, chegam e somos apresentados, ele jornalista e ela psicóloga freudiana.

 

Roberto e sua esposa Rosane, arquitetos que trabalhavam com Jones na CORVI também nos são apresentados. 

 

Todos carinhosamente recebidos por Mario Pedrosa e Mary, ficamos no living, uma ampla sala decorada ao estilo inglês. Nos apertamos os cinco casais nos confortáveis sofás, gozando do privilégio da companhia dos anfitriões. 

 

Cada vez chegava mais gente, e felizmente como chegamos cedo, conseguimos manter nossos lugares privilegiados.

 

Excelente vinho, conversa melhor ainda, mas eu não conseguia me concentrar nos assuntos. Observava todos que chegavam, eram cumprimentados educadamente por Mario e Mary e seguiam para outros cômodos da casa.

 

Um belo Peru à Califórnia foi servido, um jantar maravilhoso embora um tanto tumultuado. Todos se servindo como num buffet e comendo com o prato na mão. Era muita gente, e todos famintos como retirantes de João Cabral de Melo Neto. 

 

Depois do jantar, voltamos a nossos lugares no sofá, e a conversa continuou, agora mais solta mais relaxada pelo vinho. A atividade nos fundos era tão intensa e tão barulhenta que resolvi conhecer. 

Pedi a Eliane que guardasse nossos lugares no living e parti com um Undurraga Carmenere na mão.

 

Passei por outra sala, também lotada de gente bebendo e conversando. Idem na sala de jantar com mais gente ainda e também na cozinha, que cruzei pedindo passagem aos grupinhos que conversavam, para chegar ao pátio traseiro da casa de onde vinha uma voz e violão.

 

Depois de um pequeno pátio, havia uma casinha como se fosse dependência de empregada, mas muito bonita, do mesmo estilo da casa principal.

 

Lá dentro, num único ambiente, que deveria fazer o papel de quarto, reconheci a voz e violão. Era Geraldo Vandré, que também estava exilado,  cantando seus sucessos dos festivais da década anterior. 

 

Ele já deveria estar na décima música, e o pessoal fazia menção de sair, mas ele insistia: “Escuta só mais essa”.

 

Depois fui saber, que Vandré, no meio de uma depressão do exílio, buscava público em todas as festas que ia, mas ninguém tinha mais saco de escutar “Caminhando e Cantando” e fugia de suas apresentações gratuitas e repetitivas. 

 

Me deu pena, mas nunca mais curti essa música tanto como eu curti no seu lançamento no Terceiro Festival Internacional da Canção.

 

Voltei para o sofá do living, pensando nas consequências da nossa diáspora, mas senti um clima meio pesado no ambiente.

 

O papo era sobre fidelidade, casais, novas experiências com pessoas diferentes, o que isso poderia ajudar ou atrapalhar a vida conjugal, etc...

 

Opa! Pensei, será que estão cantando a Eliane?

Mas não, a conversa seguia muito natural, ou tentando ser. 

Notei que Helena, a psicóloga freudiana, mulher de Leo, olhava candidamente para Roberto, marido de Rosane. 

Olho comprido, sorriso recatado em boca húmida de lábios exibidos e propositalmente carnudos. 

 

Pensei comigo, isso vai dar merda...

Mas não deu.

Acho que só eu saquei o clima que surgiu entre os dois, sim entre os dois, porque Roberto correspondia aos olhares de Helena com um “sorriso de frete” como diria Jorge Amado. Super interessados. 

 

A conversa corria solta, e os dois já quase não prestavam atenção aos assuntos, quase se comiam com os olhos. Pairou um tesão avassalador no ar. 

 

Um momento, depois de uma gargalhada coletiva sobre uma série de piadas de Charles De Gaulle, que depois posso contar, Helena se levanta, cruza o living em passos leves e decididos, em seu vestido longo, acerca-se de Roberto, sem falar nada nem com ninguém, toma sua mão e o conduz para a escada que dava acesso ao piso superior onde ficavam os quartos.

 

Imagina o clima! 

Leo, o marido, permaneceu com um sorriso amarelo de “não está acontecendo nada, isso tudo é natural”. Já Rosane, afundou no sofá e olhava para o teto como que segurando um choro. 

 

Nós todos embaraçadíssimos, sem saber o que fazer nem falar. Nos olhávamos  buscando reações nos rostos dos outros, mas era só cara de “que está acontecendo?”.

 

Nossa dúvida foi logo esclarecida. Do piso superior vinham gemidos cada vez mais fortes, foram se transformando em gritos, e finalmente, Helena gozou entre gemidos, gritos e gargalhadas. Ela era do tipo que goza rindo.

 

Léo não aguentou, levantou-se, pegou Rosane pela mão e disse vamos embora. 

 

E aí, perguntamos, que dizemos para Helena e Roberto?

 

Bem, Léo e Helena, bem de vida, moravam numa casa e tinham uma Citroneta. Já Roberto e Rosane moravam num apartamento e não tinham carro.

 

Quando perguntamos, Léo deu a seguinte solução:

 

— Digam para eles que vamos morar no apartamento de Rosane, mas levamos a Citroneta em compensação. 

 

E foram embora.

 

Ninguém comentou nada. Servimos mais um vinho, 

 

— Pois é, né?

— Que coisa né?

— Legal né?

 

Sem opiniões ou observações comprometedoras, maior saia justa.

Até que Helena e Roberto descem do quarto, cabelos despenteados, roupas amassadas, caras de satisfação.

 

— E aí, cadê os dois?

 

Jones, o amigo comum a todos, e muito sério, contou o que tinham dito.

Riram achando bom o negócio, apenas Roberto perguntou:

 

— e os filhos?

 

Jones decidiu Salomonicamente:

 

— Ficam com as mães.

 

Como eu disse, “não deu merda” os dois casais, ou porque já queriam ou porque descobriram algo de novo, viveram felizes em suas novas casas com novos filhos e novos carros.

 

Voltei a pé para a casa de Elígio que ficava perto, curtindo o sol que aparecia no pico dos Andes, atrás da cordilheira nevada, e pensando no quanto a vida é surpreendente, principalmente no exílio.