domingo, 29 de novembro de 2020

Minha Versão - Capítulo 11 - A articulação para Ibiúna - amostra da concepção “foquista”e seu futuro fracasso.

 A articulação para Ibiúna – amostra da concepção “foquista” e seu futuro fracasso. 

 

Com o sucesso dos movimentos que culminaram na passeata dos 100.000, o movimento estudantil resolveu levar à frente o projeto do Trigésimo Congresso da UNE, apesar da entidade estar proibida de funcionar e menos ainda de fazer um congresso reunindo centenas de estudantes de todo o Brasil.

 

Viriam representantes de todos os diretórios de todas as faculdades e DCEs de todas as universidades. É claro que aquelas “de direita” que concordavam com o governo, não participariam.

 

Havia duas correntes para organizar o congresso.  

Uma pensava fazer num grande Campus, como o da então “Universidade do Brasil”, depois Universidade Federal do Rio de Janeiro na praia da Urca, Rio de Janeiro. Seria um congresso aberto e divulgado, e assim esperava-se que o apoio da imprensa e da sociedade, apoio que vinha crescendo desde a morte de Edson Luis, impedisse uma repressão que acabasse com o congresso, mesmo que proibido. Seria um ato de desobediência, como foi a passeata dos 100.000.

 

Outra corrente, de concepção mais “foquista” entendeu de fazer um congresso “clandestino” num sítio ou fazenda, secretamente, de forma que a repressão não se inteirasse dos acontecimentos.

 

Hoje, concordaria com a primeira corrente, mas na época eu já estava muito convencido da necessidade da luta armada, de enfrentar militarmente a ditadura nas cidades e nos campos.

 

Venceu a concepção foquista. Parecia que estavam entusiasmados com o evento, que seria, digamos, uma prévia das guerrilhas rurais que explodiriam alguns anos depois.

 

 As lideranças começaram a se reunir secretamente com representantes dos principais DCEs de todo o país.

E começou a organização do evento, que teria mais de 600 delegados.

Era na USP onde os diretórios tinham melhor organização e infra-estrutura, e eles começaram a conceber e montar a logística necessária.

 

Como esconder, alimentar, fornecer local para dormida, apoio médico, para centenas de pessoas, num sítio perto de alguma cidade do interior, sem levantar suspeitas?

 

Foi escolhido e alugado um sítio a poucos quilômetros da pequena cidade de Ibiúna, no Estado de São Paulo. Naquela época, Ibiúna não passava de um povoado típico. Uma pracinha, igreja, e algumas casas.

 

Primeiro foi o trabalho de eleger os representantes de cada faculdade. Durante esse processo, o local era mantido em sigilo, ou seja, os delegados eram escolhidos para um congresso que não se sabia onde nem quando, apenas sabendo que era proibido e poderia trazer sérias consequências individuais.

 

Depois foi a montagem da logística necessária para deslocamento dos mais de 600 delegados eleitos. Era um grande esquema de viagens, senhas, pontos, encontros, dormidas, caronas, refeições, pois viriam delegados de longe, sem saber seu destino final, onde dormir ou comer.

 

Cada faculdade mandaria pelo menos um representante, alem das diretorias das associações estudantis e DCEs. As várias organizações e partidos lutavam para tentar indicar o maior número de delegados para votar as resoluções e eleger a nova Diretoria da UNE.

 

Vinha gente do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Uma Babel de concepções políticas, sotaques, costumes, etc. E tudo isso no ano de 1968, quando se contestava tudo, religião, casamento, sexo livre, feminismo, liberação de drogas (principalmente maconha). Era um congresso estudantil com jeito do festival de música, um precursor do que seria Woodstock no ano seguinte.

 

Só que no Brasil, debaixo de uma raivosa e violenta ditadura, agora acossada pelos diversos movimentos populares que a contestavam.

 

Há alguns anos atrás, minha filha tomou conhecimento de como foi o Congresso de Ibiúna, como ficou conhecido, nas páginas dos jornais e revistas da época e me perguntou:

 

— Como vocês conseguiram montar um evento secreto desse porte para 600 pessoas de todo o Brasil sem telefone celular e sem Internet?

 

Realmente não sei como, e não consegui responder, mas a nossa ilusão quase adolescente de que seria secreto, foi só mesmo uma ilusão, como veremos nos próximos capítulos. 

 

Plim-plim.