sexta-feira, 7 de maio de 2021

Minha Versão - Capítulo 34 - A separação de Jorginho - imagem de Trotsky - a malha de balé - a babá da Carla e o tombo da tábua de passar roupa.

 A separação de Jorginho - imagem de Trotsky - a malha de balé - a babá da Carla e o tombo da tábua de passar roupa.

 

Não sei como nem porque, Zezé e Jorginho se separaram deixando a casa exclusivamente para nós.

 

Curtimos muito a casinha. Para nossas expectativas, a casa era um sonho, um quarto maior para o casal, o segundo para hóspedes, e o terceiro, menor,  para um escritório. Além disso, um grande quintal cimentado com floreiras.

 

Zezé foi morar num apartamento em Ñuñoa e Jorginho aproveitou a oferta da Eliane e foi morar no terceiro quarto do apartamento de Galvarino Galhardo rachando o aluguel.

 

Eliane a essa altura já estava “casada” de novo com o exilado brasileiro de Santos, estudante de economia. Muito simpático que ficou meu amigo, a quem já me referi num capítulo anterior.

 

O apartamento tornou-se uma verdadeira “comunidade” no estilo hippie da época. Um “point” de encontro de brasileiros. 

Sempre que eu o visitava, tinha gente, exilados brasileiros conversando, ouvindo música, fumando um. 

A ampla sala, com confortáveis sofás, parecia uma festa constante, gente entrando, gente saindo, muita alegria.

 

Nessa época, minha mãe já tinha trazido a Carla para Santiago que ficara ai com Eliane, por isso eu e Marisol sempre visitávamos o apartamento, ou para ver a Carla, ou para pegá-la para passar o fim de semana conosco.

 

Como já expliquei nos capítulos pós chegada ao Chile, peguei uma certa antipatia pela colônia brasileira, e a casa de Eliane era um lugar de reafirmação do “gueto”. 

 

Por isso, quando ia buscar a Carla, ficava apenas o tempo necessário para um papo curto, que disfarçasse minha antipatia. 

Mas às vezes era inevitável uma conversa mais longa, e até algumas reuniões festivas, com vinho e música.

 

Jorginho depois da separação definitiva e mudança de 3 poniente para Galvarino Gallardo, tinha afirmado muito mais sua admiração, quase veneração por Trotsky, de tal forma intensa que começou a tornar-se seu alter-ego, até fisicamente.

 

No início deixou um cavanhaque, que já estava grisalho, um vasto bigode, trocou os óculos por um modelo retrô “aro de tartaruga” e passou a usar o cabelo estilo rebelde.

 


Lia Trotsky e Isaac Deutscher.  Recorrentemente, relia “A História da Revolução Russa”, “A Revolução Permanente” e “A Revolução Traída”. De Deutscher, toda a trilogia da biografia de Trotsky.

 

Tinha uma enorme capacidade de memorizar parágrafos dos livros, e nas discussões teóricas, seus argumentos se limitavam a citar trechos inteiros, com ar professoral de certeza definitiva, incontestável. 

 

Por isso eu desconfiava de sua capacidade de raciocínio lógico e elaboração de uma linha própria de pensamento. Se o partido desse certo, seria um perfeito burocrata do politburo, como eu brincava.

 

Mas Jorginho, embora tenha incrementado suas atividades intelectuais, não deixara de ser aquele leão sexual da casinha da Villa Santa Carolina.

 

Nenhuma das amigas, companheiras, camaradas de qualquer orientação política que visitava o apartamento de Eliane, escapava de uma cantada revolucionária, insistente, quase assédio. 

 

Porém, não sei se pelo estilo, pela insistência desagradável ou pelo próprio visual dele, todas cantadas eram fadadas ao fracasso.   

 

Uma noite, Eliane e amigos do apartamento, resolveram fazer uma festa brasileira regada a vinho e umas cachacinhas que tinham contrabandeado direto de Minas Gerais.

 

Eliane pediu que Nina, a babá que cuidava da Carla, ficasse para dormir e ajudasse na festa, servindo taças e salgadinhos. Nina era uma chileninha de uns 18 aninhos, longos cabelos negros, corpinho “ajeitadinho”, pequena como Jorginho.

 

Era muito tímida, com sorrisos envergonhados, mas tinha uns olhinhos ágeis, espertinhos. 

 

A festa transcorria calma, um vinil de jazz na vitrola, a sala à meia luz, todos estranhamente muito comportados, até então. 

 

Menos Jorginho, que com saudades da cachacinha, usava uma taça de vinho para tomá-la e entornava uma atrás da outra.

 

Vestiu-se bizarramente, com uma camiseta de malha transparente e uma malha de balé que mostrava bem o contorno de suas pernas e um “volume” meio desproporcional aos seus 1,50 metros de altura.

 

Depois de algumas doses de cachaça em taças de vinho, Jorginho entusiasmou-se e passeava pela sala lendo em voz alta, “A Revolução Traída” em apenas uma mão. Na outra levava a taça de cachaça. 

 

Um mal estar, um constrangimento espalhou-se pela sala, mas Jorginho não notava. Todos fingiam não vê-lo, mantendo conversas paralelas, sem se impressionar com a cena, menos Nina, a babá.

 

Nina entrava e saia da cozinha com pratinhos de salgadinhos, garrafas de vinho, e cada vez que Jorginho se aproximava elevando o tom do discurso trotskista, para impressioná-la, Nina soltava risinhos, gritinhos e olhava para baixo, para as “pernas” de Jorginho. 

 

Na terceira ou quarta entrada, Jorginho seguiu Nina e vimos meio de lado que ele a agarrava pelas costas dentro da cozinha.

 

Nina resignada, pegou na mão dele e o levou para o quartinho onde era passada a roupa da casa. 

 

Na sala, apesar do Jazz, que alguém teve a caridosa iniciativa de aumentar o volume, podia-se ouvir os urros masculinos e gritinhos femininos que vinham do quartinho de passar roupa. 

 

De repente, depois de um urro mais forte, ouviu-se um violento estrondo, de alguma coisa grande desabando no chão, e um grito.

Pensei maldosamente que fosse um violentíssimo orgasmo, mas não faria tanto barulho. 

 

Corremos para lá, e surpreendemos Nina no chão com Jorginho em cima. 

Acontece que mesmo sendo pequenos e leves, a tábua de passar não aguentou o peso dos dois e veio ao chão ...