sexta-feira, 28 de maio de 2021

Minha Versão - Capítulo 37 - A rotina - Rosy y Rodrigo - Santiago – Mercado Mapocho – Mariscos - Vinhos

A rotina - Rosy y Rodrigo - Santiago – Mercado  Mapocho – Mariscos -  Vinhos

 

Entramos numa maravilhosa rotina.

 

Digo isso, maravilhosa, porque além de ser muito prazeirosa, eu depois de tantas aventuras, viagens, tensões, precisava de um pouco de calma, e só uma rotina diária com atividades previsíveis poderia me acalmar do stress vivido.

 

Todo dia, de moto para chegar às 7:00 na obra. Trabalho o dia inteiro de segunda a sexta, com saídas em duas tardes da semana para aulas de antropologia no Pedagógico.

 

A novidade, para mim, era o inverno. Com temperaturas abaixo de zero, neve, chuva e muito frio. 

 

Chegava na obra “congelado”, molhado da chuva ou da neve derretida no caminho. Ligávamos o aquecedor, fazíamos um chá bem quente e esperávamos um tempo para nos aquecer um pouco e sair do escritório para a obra. 

 

Eu tinha que subir todo dia nas formas das lajes para verificar dimensões, prumos, níveis e contra-flechas. Eram 5 lajes por bloco e 54 blocos em construção simultânea. Lá em cima, sem nenhum abrigo e com o vento gelado vindo dos Andes era um “frio de rachar”. A caneca de vinho na hora do almoço nos aquecia um pouco e nos dava coragem para enfrentar a tarde, quando esfriava mais ainda depois que o sol se punha, no inverno, lá pelas 16:00. Mas com 21/22 anos a gente aguenta tudo.

 

Maria seguia com o curso integral e vendendo pôsteres para fazer um dinheirinho. Saia com uma sacola cheia de pôsteres enrolados e visitava empresas, órgãos públicos, departamentos da universidade, etc. Ela continuava com o curso no Pedagógico com toda a carga horária. Tudo estava calmo como precisávamos

 

À noite, um cinema, um jantarzinho em casa, ou um “lomito mayo” numa “fuente de soda” e uma bela garrafa de vinho “nacional”.

 

Rosy Y Rodrigo vinham umas três ou quatro vezes por semana, e curtíamos muito. Rosy, irmã da Marisol e Rodrigo seu marido e irmão de Pepe o filósofo do pedagógico, mas Rodrigo era tanto ou mais filósofo que o irmão.

 

Sempre fazíamos um belo jantar, Rodrigo era um  “chef”, e depois cantávamos. 

 

Eles são músicos, e cultivam o folclore latino-americano. Cantávamos músicas andinas, bolivianas, chilenas e peruanas, guarânias paraguaias, boleros caribenhos, tangos, chacareiras  e milongas argentinos, sambas e bossa nova brasileiros,  salsas, rumbas e cúmbias cubanas, além, é claro das cuecas chilenas que eu adoro, principalmente as “cuecas choras”.

 

Rosy tocava o violão, Rodrigo variava entre o charango, as quenas e o bombo, Maria cantava ou acompanhava no violão, e eu tentava manter o ritmo com um bongô. 

 

Depois do jantar e da cantoria, quase sempre Rodrigo me olhava com um sorriso maroto e mexia os dedos da mão direita como quem move uma pedra de xadrez. Era o nosso código. Estava me convidando para uma partida que eu invariavelmente perdia, mas aprendia mais um pouco.

 

Jogávamos numa mesinha de pinho, que eu havia construído como os demais móveis da casa. Pintei de branco e em cima, no tampo, um tabuleiro vermelho e branco. 

 

Muitas partidas eu perdi, para depois atribuir a derrota ao vinho do jantar ou ao que prosseguia durante o jogo de xadrez.

 

***

 

Rodrigo tinha duas  Kombis , onde ele e Rosy heroicamente transportavam crianças para a escola todas as manhãs. 

 

Saíamos de Kombi para dar voltas por Santiago. 

Aqui um breve depoimento.

Não sei se hoje, mas na época, 1971 a 1973, Santiago de Chile era uma cidade fantástica, não só pela sua cultura uma mescla do colonizador espanhol com a nação Mapuche, como pela diversidade, a democracia que pairava no ar e enraizada na convicção do povo. Os chilenos, eram receptivos a todos latino-americanos que aí buscavam refúgio, liberdade e uma nova vida. Esse sentimento é tão concreto, que está expresso no próprio hino chileno que diz:

 

Dulce Patria, recibe los votos

Con que Chile en tus aras juró

Que o la tumba serás de los libres

O el asilo contra la opresión

Que o la tumba serás de los libres

O el asilo contra la opresión

 

Curtimos muito Santiago, percorrendo sua belas avenidas, de trânsito caótico, visitando os diversos bairros, desde os mais pobres como San Bernardo, no sul, até os mais ricos nas encostas dos Andes Nevados, Las Condes, Vitacura e Lo Barnechea. 

 

Mas o que mais me fascinava eram as visitas ao Mercado Central, ou mais conhecido como Mercado Mapocho. Com a impressionante variedade de frutos do mar de toda a costa chilena, desde Punta Arenas e Chiloé, até Arica no norte. 

 

E todas essas maravilhas podiam ser degustadas nos diversos restaurantes locais. Aí comíamos, comprávamos o rancho da semana e curtíamos a cultura, digamos “raiz” do “huasos” chilenos.

 

Porém, toda essa diversidade, essa riqueza cultural que eu experimentava, seria superada pela viagem seguinte ao norte do Chile pelo deserto de Atacama, o mais seco do mundo, até Arica na fronteira com o Peru, passando por Antofagasta e Iquique.

 

Está no próximo capítulo...