sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Minha Versão - Capítulo 10 - A passeata dos 100.000 - convocação nas fábricas, trens, escolas.

 A passeata dos 100.000 – convocação nas fábricas, trens, escolas

 

No dia seguinte ao golpe militar de 1964, a ditadura mandara incendiar o lindo prédio da praia do Flamengo onde funcionava a UNE – União Nacional dos Estudantes. Assim iniciou um longo período de repressão ao Movimento Estudantil.

 

Ali funcionava um restaurante com refeições baratas para estudantes de baixa renda. Eram na sua grande maioria secundaristas oriundos das mais diversas partes do país que vinham estudar e trabalhar no Rio de Janeiro.

 

Com o incêndio, o restaurante foi transferido para um antigo prédio situado ao lado do Aeroporto Santos Dumont, onde além do restaurante funcionava também um teatro e uma policlínica. Apesar de pertencer ao Ministério da Educação, o prédio era administrado pela UME – União Metropolitana de Estudantes. O prédio era conhecido por ter abrigado uma antiga prisão de escravos, e por isso era chamado de “Calabouço”.

 

Com a grande concentração de estudantes, o Calabouço tornou-se um ponto de organização e agitação do Movimento Estudantil, e ali ocorriam constantes manifestações com violentas reações policiais. 

 

Em 1967 iria se realizar no Museu de Arte Moderna do aterro do Flamengo, próximo ao Calabouço, uma reunião do FMI – Fundo Monetário Internacional, para nós um símbolo da dominação do imperialismo. Então o  governador do Estado da Guanabara, Negrão de Lima anunciou a demolição do Calabouço com o pretexto de urbanizar a área. Foi o estopim para uma série de manifestações.

 

No dia 28/03/1968, me lembro porque foi no dia seguinte ao  meu aniversário de 19 anos, uma tropa invadiu o calabouço para reprimir uma passeata que se iniciava, e um aspirante da polícia militar, com um tiro à queima roupa, matou o estudante Edson Luis. Outras seis pessoas também foram baleados, sendo que um deles morreu no hospital.

 

Com medo de que a polícia sumisse com o corpo, os estudantes o levaram em passeata até a Câmara de Vereadores do Município, onde foi velado após a autópsia feita ali mesmo.

 

Na passeata gritava-se “Mataram um estudante, podia ser seu filho”, “Bala não mata fome”,  e se exibía o corpo de Edson Luiz. Um menino franzino, vindo do Pará, que cursava o segundo grau numa escola pública e comia no Calabouço.

 

 


 

A repercussão foi tão grande, que a censura não conseguiu abafar, e no dia seguinte todos os jornais noticiavam a morte de Edson Luis, como na foto acima de autoria de fotógrafo do Correio da Manhã.

 

Até o dia da missa de sétimo dia em 2 de abril na Catedral da Candelária, estouraram protestos e gestos de solidariedade em todo país. Artistas, intelectuais, jornalistas, movimentaram-se em protesto contra um assassinato tão brutal. A música “Coração de Estudante” de Milton Nascimento e Wagner Tiso refere-se a Edson Luis.

 

Na missa, a catedral estava lotada, e não mais só por estudantes, representantes de toda sociedade, políticos, sindicalistas, artistas, estavam presentes. Ao final, a cavalaria cercou a igreja e quem saísse certamente seria preso. Foi aí que os vários padres presentes formaram um corredor na porta para permitir que saíssemos em liberdade, mas não foi suficiente, várias pessoas foram presas.

 

Depois dos acontecimentos de março/abril, o sentimento de revolta, de indignação com a violência e os métodos autoritários da ditadura estava generalizado, principalmente na classe média e meios intelectuais. 

 

O movimento de repúdio aumentava, e nós estudantes aproveitávamos a onda crescente e partiamos para levar adiante um grande movimento de protesto pela derrubada da ditadura, que culminou em junho na “Passeata dos Cem Mil”

 

Agora com apoio ainda insipiente de movimentos sindicais, partimos para a luta aberta. Começamos a propagandear a necessidade de uma Greve Geral de estudantes e trabalhadores que parasse o país. Com a experiência adquirida nos anos anteriores, iniciamos a convocação, retomando comícios relâmpagos, pichações e panfletagens, nas escolas, universidades e em portas de fábrica. 

 

Foi convocada para dia 26 de junho uma grande passeata para percorrer a Avenida Rio Branco, da Praça Mauá até a Cinelândia. Foi uma festa da democracia, o povo acorreu em massa. Milhares de pessoas tomaram a avenida que agora era do povo, e a polícia não tinha mais como intervir. Não era mais um movimento de estudantes, mas o protesto forte e consistente de toda a sociedade.

 

Foi a famosa “Passeata dos Cem Mil” que ficou na história da democracia brasileira. O povo marchou pacificamente por toda a avenida, ocupando todos os espaços, de calçada a calçada. 

 

O sucesso foi tão grande e definitivo como nem os organizadores imaginavam. No fim da caminhada, em frente ao Teatro Municipal a multidão aplaudia os discursos que se sucediam, principalmente dos estudantes, como o de Wladmir Palmeiras da foto abaixo, também do Correio da Manhã.




 

 Nós havíamos vencido uma batalha, mas a guerra seria longa. O ar de democratização que se respirava prosseguiu até 13 de dezembro quando a ditadura militar sentindo que perderia o controle, editou o Ato Institucional número 5, acabando de vez com o que restava de liberdades democráticas, fechando o Congresso Nacional, censurando abertamente a imprensa e prendendo qualquer opositor que pudesse vir a se manifestar contra.