sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Minha Versão - Capítulo 05 - A Faculdade, o Diretório, comícios no restaurante, as meninas do Serviço Social

 

O imponente edifício Pedro Ernesto, construído no alto de um morro que divide a imperial Quinta da Boa Vista do bairro de São Cristóvão, abrigava na época as faculdades de Engenharia e de Serviço Social da Universidade do Estado da Guanabara – UEG que depois da fusão dos dois estados virou UERJ.

 

O edifício tinha sido construído para ser uma escola de medicina, com mais de dez andares, dois elevadores enormes, e muitas salas de aula, auditórios e anfiteatros. Não sei porque deixou de ser a faculdade de medicina, que continuou no Hospital Pedro Ernesto no Boulevard 28 de setembro em Vila Isabel.

 

Se não me engano, o segundo e terceiro andares eram ocupados pela faculdade de Serviço Social, o quarto pela administração, o quinto pelos Diretórios Acadêmicos, e os demais com salas de aula e laboratórios da engenharia.

 

O mais interessante porém ficava no térreo, após o hall dos elevadores, O Restaurante.

Era uma enorme área livre com grandes mesas para 6 pessoas e uma lanchonete ao fundo.

Era ali que tudo acontecia, estava sempre cheio de gente, mesmo fora do horário de almoço. Funcionários, professores e principalmente alunos, em intervalos de aulas ou simplesmente matando-as.

Ali se estudava apressadamente as últimas dúvidas antes das provas, se verificava o resultado delas, se comia, se fumava, se paquerava, e principalmente se discutia, invariavelmente política estudantil.

 

Os cursos de engenharia eram predominantemente masculinos. Em toda engenharia civil havia 3 moças, na elétrica outras tantas, e na mecânica nenhuma.

Porém, a faculdade de Serviço Social era predominantemente feminina, e compensava assim a aridez machista da Engenharia. Era uma festa.

 

Transcorria o ano de 1967, mas não tão calmamente assim, como no clichê.

Entrei para a faculdade com 17 anos e fui completar 18 já universitário.

Saía às 5:30 de casa para chegar às 7:00 para a primeira aula, depois de dois ônibus e uma barca que cruzava a Baia da Guanabara.

Com a subida do morro da Rua Fonseca Teles e a escadaria da escola, chegava quase sempre suado ao restaurante, onde tomava um café, comia um pão com manteiga e fumava um cigarro, antes de subir sempre atrasado 10 a 15 minutos para a primeira aula onde, se não fosse muito animada, dormia.

 

O Restaurante, no entanto era muito mais interessante que as aulas de Cálculo e Geometria Descritiva. Ali conheci lindas menininhas do Serviço Social e o pessoal combativo do Centro Acadêmico.

Logo me identifiquei com a turma do diretório, o Jones, o Zé Maria, o Molécula, etc. Todos militantes de esquerda.

Visitei o quinto andar, onde fiquei boa parte do períodos letivos, com suas salas desarrumadas, seus mimeógrafos, suas mesas de sinuca e pebolim (ou futebol totó como se dizia no Rio).

Tornei-me militante e campeão de totó.

 

A política estudantil no Rio de Janeiro fervia, já era uma atividade quase clandestina, pois estávamos sempre atentos para os informantes infiltrados da polícia política, o DOPS e seus métodos violentos.

Nossa faculdade tinha uma quase maioria de direita, ou alienados, pois ali estudavam os filhos dos donos de construtoras, grandes empresários, enfim, burguesia e classe média alta. A sorte é que eles não se interessavam por política e com isso ganhávamos o Diretório.

Nosso diretório integrava o DCE da Universidade, também de esquerda, onde as faculdades mais atuantes eram a de Direito, no Largo do Machado, de Medicina no Hospital Pedro Ernesto, História, Ciências Sociais e Psicologia.

 

Vivíamos em longas reuniões no diretório e eternas assembléias no restaurante. Nessas assembléias sempre agitadas e muito concorridas, aprendi as várias técnicas de manipulação que se aplicam a todo coletivo. Desde os estudantis, até o Congresso Nacional. Como espalhar simpatizantes em todos os grupinhos para levantar a mão para o voto e induzir os vizinhos a fazê-lo na hora certa, prolongar a assembleia até que os opositores desistam e saiam antes das votações mais importantes. Só colocar em votação matérias para as quais você já tem votos suficientes, etc.

Outra técnica importante é colocar ao lado de cada opositor expressivo, que vai se pronunciar, um militante seu que faz caras e bocas de reprovação quando o cara estiver falando.

 Todo esse aprendizado, das reuniões do restaurante, serviram para futuras assembleias culminando no 30 congresso da UNE em Ibiúna que veremos num próximo capítulo.