O imponente edifício Pedro Ernesto, construído no alto de um morro que divide a imperial Quinta da Boa Vista do bairro de São Cristóvão, abrigava na época as faculdades de Engenharia e de Serviço Social da Universidade do Estado da Guanabara – UEG que depois da fusão dos dois estados virou UERJ.
O edifício tinha sido construído para ser uma escola de
medicina, com mais de dez andares, dois elevadores enormes, e muitas salas de
aula, auditórios e anfiteatros. Não sei porque deixou de ser a faculdade de
medicina, que continuou no Hospital Pedro Ernesto no Boulevard 28 de setembro
em Vila Isabel.
Se não me engano, o segundo e terceiro andares eram ocupados
pela faculdade de Serviço Social, o quarto pela administração, o quinto pelos
Diretórios Acadêmicos, e os demais com salas de aula e laboratórios da
engenharia.
O mais interessante porém ficava no térreo, após o hall dos
elevadores, O Restaurante.
Era uma enorme área livre com grandes mesas para 6 pessoas e
uma lanchonete ao fundo.
Era ali que tudo acontecia, estava sempre cheio de gente,
mesmo fora do horário de almoço. Funcionários, professores e principalmente
alunos, em intervalos de aulas ou simplesmente matando-as.
Ali se estudava apressadamente as últimas dúvidas antes das
provas, se verificava o resultado delas, se comia, se fumava, se paquerava, e
principalmente se discutia, invariavelmente política estudantil.
Os cursos de engenharia eram predominantemente masculinos.
Em toda engenharia civil havia 3 moças, na elétrica outras tantas, e na mecânica
nenhuma.
Porém, a faculdade de Serviço Social era predominantemente
feminina, e compensava assim a aridez machista da Engenharia. Era uma festa.
Transcorria o ano de 1967, mas não tão calmamente assim,
como no clichê.
Entrei para a faculdade com 17 anos e fui completar 18 já universitário.
Saía às 5:30 de casa para chegar às 7:00 para a primeira
aula, depois de dois ônibus e uma barca que cruzava a Baia da Guanabara.
Com a subida do morro da Rua Fonseca Teles e a escadaria da
escola, chegava quase sempre suado ao restaurante, onde tomava um café, comia um
pão com manteiga e fumava um cigarro, antes de subir sempre atrasado 10 a 15
minutos para a primeira aula onde, se não fosse muito animada, dormia.
O Restaurante, no entanto era muito mais interessante que as
aulas de Cálculo e Geometria Descritiva. Ali conheci lindas menininhas do
Serviço Social e o pessoal combativo do Centro Acadêmico.
Logo me identifiquei com a turma do diretório, o Jones, o Zé
Maria, o Molécula, etc. Todos militantes de esquerda.
Visitei o quinto andar, onde fiquei boa parte do períodos
letivos, com suas salas desarrumadas, seus mimeógrafos, suas mesas de sinuca e
pebolim (ou futebol totó como se dizia no Rio).
Tornei-me militante e campeão de totó.
A política estudantil no Rio de Janeiro fervia, já era uma
atividade quase clandestina, pois estávamos sempre atentos para os informantes
infiltrados da polícia política, o DOPS e seus métodos violentos.
Nossa faculdade tinha uma quase maioria de direita, ou
alienados, pois ali estudavam os filhos dos donos de construtoras, grandes
empresários, enfim, burguesia e classe média alta. A sorte é que eles não se
interessavam por política e com isso ganhávamos o Diretório.
Nosso diretório integrava o DCE da Universidade, também de
esquerda, onde as faculdades mais atuantes eram a de Direito, no Largo do
Machado, de Medicina no Hospital Pedro Ernesto, História, Ciências Sociais e
Psicologia.
Vivíamos em longas reuniões no diretório e eternas assembléias
no restaurante. Nessas assembléias sempre agitadas e muito concorridas, aprendi
as várias técnicas de manipulação que se aplicam a todo coletivo. Desde os estudantis,
até o Congresso Nacional. Como espalhar simpatizantes em todos os grupinhos
para levantar a mão para o voto e induzir os vizinhos a fazê-lo na hora certa, prolongar
a assembleia até que os opositores desistam e saiam antes das votações mais
importantes. Só colocar em votação matérias para as quais você já tem votos
suficientes, etc.
Outra técnica importante é colocar ao lado de cada opositor
expressivo, que vai se pronunciar, um militante seu que faz caras e bocas de reprovação
quando o cara estiver falando.