sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Minha Versão - Capítulo 07 - Comícios relâmpagos, as pichações, comícios nos trens da Central do Brasil.

 Comícios relâmpagos, as pichações, comícios nos trens da Central do Brasil.

 

Os comícios-relâmpago estavam cada vez mais constantes, a ponto de as pessoas que trabalhavam no centro do Rio e circulavam pela Av. Rio Branco estarem se acostumando e algumas participando, com intervenções, depoimentos e até algum discurso não programado.

 

Na hora do almoço e no fim do expediente, as calçadas se enchiam de gente já como é hoje, e ficava até difícil de circular. Isso dificultava sobremaneira a atuação da polícia que não podia identificar os “subversivos” no meio da multidão, a não ser pelas barbas e longos cabelos que usávamos a lá Che Guevara. Mas isso não era motivo para prender ninguém.

 

Os comícios-relâmpago não tinham maior convocação, apenas para os militantes que iriam falar, fazer a claque ou a segurança.

Já para as passeatas médias ou grandes, havia uma intensa convocação.

Além dos comícios, pichações e discursos nos ônibus e trens.

 

Pichávamos em toda parte, mas talvez ineficientemente, porque nas ruas com menos movimento, onde não passava a polícia. Saíamos de noite em grupos de três com nossos bastões. Enquanto um pichava o muro, os outros dois (seguranças) observavam as esquinas próximas para dar o alarme caso aparecesse algum carro da polícia.

 

Na época não existiam os práticos sprays de tinta, tínhamos que fabricar nossos próprios “bastões”. 

Receita: dissolve-se sebo de gado num tacho, agrega-se graxa de sapato preta, com a mistura ainda quente e derretida enche-se o rolo de papelão interno ao papel higiênico. Depois de frio, fica como um grande e grosso lápis de cera. Com isso, as pichações eram sempre em preto e branco.

 

E as palavras de ordem variavam sempre entre “Abaixo a Ditadura” e “Fora o Imperialismo”. Depois importaram-se da França, do famoso maio de 68, algumas consignas anarquistas ou simplesmente Hippies.

 

A nossa esquerda não gostava de hippies ou de anarquistas, mas alguns porra-loucas infiltrados e altamente intelectualizados, colocavam nas paredes, em panfletos ou na “Imprensa Nanica” frases como:

 

“Abaixo a sociedade de consumo." 
"Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo." 
"O agressor não é aquele que se revolta, mas aquele que reprime." 
"Amem-se uns aos outros." 
"O álcool mata. Tomem LSD." 
"Parem o mundo, eu quero descer." 
"A arte está morta. Nem Godard poderá impedir." 
"Antes de escrever, aprenda a pensar." 
"A barricada fecha a rua, mas abre a via." 
"Ceder um pouco é capitular muito." 
"10 horas de prazer já." 
"Proibido não colar cartazes." 
"A economia está ferida, pois que morra!" 
"A emancipação do homem será total ou não será." 
"O estado é cada um de nós." 
"A imaginação toma o poder." 
"A insolência é a nova arma revolucionária." 
"É proibido proibir." 
"Eu gozo." 
"A mercadoria é o ópio do povo." 
"As paredes têm ouvidos. Seus ouvidos têm paredes." 
"Nós somos todos judeus alemães." 
"A novidade é revolucionária, a verdade, também." 
"Fim da liberdade aos inimigos da liberdade." 
"O patrão precisa de ti, tu não precisas do patrão." 
"Professores, vocês nos fazem envelhecer." 
"Quanto mais eu faço amor, mais tenho vontade de fazer a revolução. Quanto mais faço a revolução, mais tenho vontade de fazer amor." 
"A poesia está na rua." 
"A política se dá na rua." 
"Os sindicatos são uns bordéis." 
"O sonho é realidade." 
"Só a verdade é revolucionária." 
"Sejam realistas, exijam o impossível." 
"Abolição da sociedade de classes." 
"Abram as janelas do seu coração." 
"A arte está morta, não consumamos o seu cadáver. " 
"Autogestão da vida cotidiana" 
"A felicidade é uma ideia nova." 
"Teremos um bom mestre desde que cada um seja o seu." 
"Camaradas, o amor também se faz na Faculdade de Ciências." 
"Ainda não acabou!" 
"Consuma mais, viva menos." 
"O discurso é contra-revolucionário. " 
"Escrevam por toda a parte!" 
"Abraça o teu amor sem largar a tua arma." 
"Enraiveçam-se!"
"Um homem não é estupido ou inteligente: ele é livre ou não é." 
"Adoro escrever nas paredes." 
"Decretado o estado de felicidade permanente." 
"Milionários de todos os países, unam-se, o vento está mudando." 
"Não tomem o elevador, tomem o poder." 

 

Dentro dos ônibus e dos trens, entrávamos em grupos de três. Um falava e os outros dois faziam a “segurança”.

Uma vez fui destacado para fazer discursos nos trens da Central do Brasil contra a ditadura e convocando para uma passeata.

 

Foi marcado um “ponto” dentro da bela estação da Central onde eu deveria encontrar meus seguranças. 

Cheguei na hora certa e fiquei procurando dois “quadros” que deveriam ter com uma determinada revista debaixo do braço.

Achei um casal com pinta de estudantes mas não acreditei que seriam meus seguranças, mas estavam com a descrição certa, a revista certa e fizeram contato comigo.

 

A companheira era uma gordinha de 1,50m da Faculdade de Direito da UEG e seu companheiro era um moleque magrinho e asmático que devia pesar uns 50 kg.

Nessa concepção foquista do movimento, todos se viam como guerrilheiros prontos para pegar em armas, e não se discriminava ninguém para uma tarefa mesmo sendo uma baixinha e um asmático.

 

Fomos.

 

Pegávamos vagões lotados de trabalhadores que vinham dos subúrbios para trabalhar no centro. Todo mundo apertado, em pé, com sono, mal humorados.

Todo mundo tinha medo de qualquer atividade política, mais ainda de discurso falando abertamente da ditadura, censura, tortura, etc.

 

A tática era esperar o ponto da viagem onde faltassem dois a cinco minutos para a próxima estação. Então meus “Seguranças” ficavam ao meu lado, eu pedia licença para um passageiro sentado, colocava o pé no banco, me pendurava nos balaústres e deitava discurso: 

 

“O movimento estudantil está promovendo manifestações contra a Ditadura, mas só teremos realmente sucesso na derrubada da Ditadura e implantação de uma sociedade mais justa, socialista, se vocês operários participarem. Só o proletariado unido pode derrubar a ditadura e expulsar o imperialismo. Dia tal, às tantas horas, participe da passeata na rua tal, ou apoiem a greve da categoria de tal categoria.”

 

Esse era mais ou menos o conteúdo dos discursos de sempre.

A ação só poderia durar no máximo 5 minutos até a chegada na próxima estação. Chegando, assim que abria a porta do vagão, pulávamos rapidamente na plataforma procurando desaparecer na multidão o mais rápido possível e esperar o próximo trem.

 

O maior risco que corríamos era ter um policial, um militar ou um direitista fanático no vagão, que inventasse nos prender ou agredir,  mas confiávamos no aperto do vagão, que impedia alguém se movimentar pelo corredor.

 

E além disso eu tinha minha “poderosa” segurança.