sexta-feira, 14 de maio de 2021

Minha Versão - Capítulo 35 - Vida de casado, móveis de pinho – trabalho

Vida de casado, móveis de pinho – trabalho – pedagógico – Escuela Técnica –  pôsteres – cantorias – vino e mais vino – a plantação de trebol encontrando raízes de parreira.

 

Não sei como nem porque, Zezé e Jorginho se separaram deixando a casa exclusivamente para nós.

 

Foi como começar tudo do zero, ajeitamos a casa toda ao nosso gosto, consegui um aquecedor industrial à querosene que aquecia a casa toda no inverno, permitindo-me andar de calção e camiseta no pior inverno. Mas essa compra foi muito depois, estou misturando a linha do tempo.

 

Digamos que a vida se encaixou no que queríamos. 

Além das aulas no Pedagógico, tentei sem sucesso voltar à engenharia, matriculando-me na “Universidad Técnica del Estado”, que ao contrário da engenharia da “Universidad de Chile” tinha uma administração de esquerda, liderada pelo Partido Comunista Chileno. 

 

Cursei em um semestre duas cadeiras iniciais, esperando que me validassem os quatro anos de engenharia da UERJ, mas não teve jeito, o cipoal burocrático era intransponível, e desisti.

 

Através do Jones, e daquela sua amiga na CORVI – Corporación de la Vivienda consegui um trabalho de fiscal de obra na construção de um conjunto habitacional para “pobladores”, no local da própria “población”. 

 

Era um programa de construção para urbanização de favelas que utilizava como mão de obra os próprios moradores. Foi uma experiência incrível, social, técnica e antropológica na interação com os operários.

No próximo capítulo entro em detalhes sobre toda essa rica vivência.

 

Foi uma fase de “brincar de casinha” que curtimos muito. Eu trabalhava na CORVI, nós dois assistíamos às aulas no Pedagógico e Marisol arrumou um emprego para vender pôsteres. Eram gravuras lindíssimas que vendiam muito bem. Com isso nossas paredes ficaram lindas. Uma gravura que me encantava e ficou na memória foi um pôster de Valparaiso, com seus morros e casinhas coloridas.


Nos escritórios da obra usava-se uma mobília toda feita no próprio local com caibros e tábuas de pinus. Tinham um design muito bonito e eram simples de fazer.

 

Comprei ferramentas de marcenaria, descobri uma madeireira perto e me propus à mobiliar a casa.

 

Fiz todos os móveis, poltronas, sofás, camas, armários e mesas, de forma muito econômica. 

 

Uma de minhas criações foi uma mesinha com duas cadeiras que pintei de branco sendo que no tampo da mesa desenhei em vermelho um tabuleiro de xadrez.

Vim a curtir muito essa mesinha, onde jogava sempre com Rodrigo acompanhado de um bom vinho.

 

Rosi e Rodrigo ficaram nossos melhores amigos. Ela, irmã de Marisol e o marido Rodrigo Barrientos irmão de Pepe, o filósofo. Só depois de saber que Rodrigo e Pepe eram irmãos, vim a entender o carinho paterno que Pepe tinha sobre a Pollito (Marisol),

 

Nós quatro passamos muitos e bons momentos na casinha de Tres Poniente. Eles vinham sempre, antes do almoço ou do jantar eu saia com Rodrigo para comprar vinho numa “botilleria” da esquina. Ali sempre tomávamos uma antes de voltar para casa, e Rodrigo dizia: “Ese me lo llevo puesto“.

 

Fazíamos comidas chilenas, tomávamos bons vinhos, tocávamos e cantávamos musicas latino-americanas. Rosi tocava um lindo violão, Rodrigo quena, charango y bombo, e todos cantávamos. Eles vieram a se especializar no folclore e a montar mais tarde o “dúo Humanaya”.

 

Quase sempre depois do jantar, jogava xadrez com Rodrigo. Ele sempre ganhava, sabia muito. Mas eu aproveitava para aprender, aberturas e finais.

 

Rodrigo gostava de me provocar falando um “chileno”  muito rápido e cheio de gírias. No início não entendia nada, e ele ria. “Cachay weón?”.

Aos poucos fui entendendo e foi graças a essa brincadeira que consegui me comunicar bem com “los obreros” da obra em que trabalhava.

 

Eu me apaixonei por eles, meus cunhados, tanto que até hoje, cinquenta anos depois, nos falamos por chamadas de vídeo ou diretamente no WhatsApp.

 

Na frente da casa tinha um pequeno espaço de terra tomado pelo mato seco, típico da região semi-árida de Santiago. Era muito feio e abandonado desde que chegamos. Resolvi fazer um jardim.

 

A grama era muito cara e requeria regas constantes, diárias, para não morrer.

Resolvi plantar trevo. O trevo fecha e cobre todo o jardim dando uma agradável impressão e não precisa de tanto cuidado como a grama.

 

Eu só não esperava a secura e dureza da terra. O trabalho na enxada foi enorme, me sentia um camponês nordestino tentando plantar na caatinga.

Mas a grande surpresa foi quando comecei a bater com a enxada em raizes grossas e muito duras. Estavam por toda parte, e eram, para mim, impossíveis de arrancar. 

 

Consultei o vizinho sobre meu achado, e ele explicou.

 

Toda a área de Villa Santa Carolina, tinha sido uma plantação de uva da Viña Santa Carolina, que permanecia próxima. Na construção das casas e ruas, derrubaram as parreiras e lançaram uma fina camada de terra por cima.

 

O mais surpreendente, é que eram cepas bem antigas, que deveriam produzir uma ótima uva e melhor vinho.

 

Por conselho do vizinho, plantei o trevo deixando partes dessas raizes e galhos expostos. Em pouco tempo, começaram a nascer mudinhas de parreiras. Aproveitei para enfeitar a cerca e o muro do quintal com lindas trepadeiras, que chegaram a dar alguns cachinhos de uma deliciosa uva preta. 

 

No meio de todas essas realizações e curtições, comprei uma motinho velha. Uma Ducati 175 toda remendada para ir trabalhar na obra que ficava bem longe.

 

A rotina de trabalho, a viagem diária de moto, o pátio da obra, no frio e no calor, no tempo seco e abafado do verão e na fria neve e no asfalto coberto de gelo do inverno já é por si só uma nova aventura ...

 

Que fica para o próximo capítulo.