sábado, 26 de junho de 2021

Minha Versão - Capítulo 41 - O tancazo

 O Tancazo - A resistência no Pedagógico - O revólver calibre 22 - Adriana Goñi e Henrique – O MIR vai cair na clandestinidade – a “extrangeria

Foi na sexta-feira, 29 de junho de 1973, que explodiu o “Tancazo”.

Com os ânimos e acontecimentos cada vez mais acirrados, já há alguns meses eu tinha comprado um radio com ondas curtas para acompanhar as notícias do dia a dia chileno e pegar alguns programas do exterior.

Nessa sexta-feira, como todos os dias, acordei e ainda deitado liguei o rádio na minha estação preferida, uma pertencente ao Partido Socialista que tinha o melhor jornalismo.

O narrador anunciava insistentemente, seguidamente, que uma companhia de tanques havia deixado seu quartel e se dirigia para o palácio La Moneda, com o objetivo de depor o presidente Allende. Alertava e convocava a população para reagir ao golpe e instruía os militantes a se dirigirem imediatamente para seus locais de trabalho, fábricas, universidades, etc...

Era o golpe. Não vou tentar descrevê-lo já que temos inúmeros artigos disponíveis na internet

Uma ótima descrição foi feita pelo Jornalista Maurício Brum para o jornal Sul21 da Internet em 2013. No final deste capítulo deixo links para o jornal e o filme do cinegrafista argentino Leonardo Henrichsen.

Era o golpe, nos levantamos rapidamente, nos vestimos com roupas de frio, estávamos em pleno inverno e não sabíamos se, ou quando voltaríamos para casa. Coloquei os dólares no bolso interno do casaco e partimos.

Dois episódios foram marcantes nesse pré-golpe que resultou fracassado.

O primeiro foi a morte em 15 de junho de Nilton da Silva, um jovem exilado brasileiro, duas semanas antes.

Assassinado por militantes da organização facista “Patria y Libertad” que já há algum tempo se organizava como milícia armada, e prometia acabar com os exilados de esquerda de todas nacionalidades.

O segundo, foi o assassinato do cinegrafista argentino Leonardo Henrichsen que filmava para uma agência sueca e acabou gravando o próprio assassinato. Outra história conhecida é a frase de um certo tenente Pérez, da guarda policial de La Moneda, respondendo aos pedidos do Regimento Nº 2 para que se rendesse: “La Guardia muere, pero no se rinde nunca, mierda”.

Fomos para o Pedagógico porque se eu fosse para a obra, teria que ir sozinho e não saberia se voltaria a ver à Maria.

Quando chegamos, o pátio já estava cheio de gente, aguardando orientação.

Militantes do MIR organizavam as pessoas em grupos.

Haviam grupos de propaganda, de manifestantes, de trabalho e quem tivesse experiência com armas era levado para uma sala à parte.

Com minha experiência nas escolas militares, me inscrevi para compor a luta armada contra o golpe que se avizinhava. Fomos levados para uma ampla sala de aula, e ali informados que tínhamos que nos organizar em duplas, que iriamos receber uma arma por dupla.

As armas foram distribuídas, eu e Marisol recebemos um revolvinho calibre 22 da idade do velho oeste e cinco balas.

Fiquei imaginando, um tanque avançando em minha direção e eu atirando, até cinco balas, com um revólver 22. Eu sabia que um tiro de 22 não parava nem um homem forte, que dirá um tanque.

Desconfiados, passamos ali toda a tarde aguardando notícias do Tancazo e instruções.

No fim da tarde fomos informados que o Tancazo havia fracassado e que podíamos voltar para nossas casas.

Foi aí que me apavorei com o nível de organização de uma possível resistência ao golpe.

Frequentávamos um casal de grande amigos dirigentes do MIR que moravam em El Arrayán, bairro alto de Santiago. Adriana era filha de um dirigente da Federação Chilena de Futebol, portanto figura importante, e pelo lugar de sua moradia, fora de qualquer suspeita.

Chegamos e como sempre fomos muito bem recebidos. Seu companheiro da época, Enrique, era uma pessoa dessas alegres de personalidade positiva, com excelente humor e grande disposição de luta. Tomava sempre whisky, embora cultivasse uma úlcera estomacal que sempre doía ao tomar a primeira dose.

Conversamos muito sobre o Tancazo, suas causas, raízes e consequências políticas. Todos estávamos certos de que era uma antecipação desastrada do golpe que estava por vir.

Concordamos que esse golpe estava mais do que maduro para acontecer, e que seria pelos próximos dias.

Entendi que tínhamos que resistir na hora mesma do golpe, com todas as forças que dispúnhamos, pois a cada momento perderíamos capacidade de luta, principalmente armada.

Decidido a participar da resistência ao golpe, que seria comandado mais pelo MIR do que pelo Partido Socialista, me dispus a participar da luta armada no Chile, embora tenha tido minhas restrições a fazê-la no Brasil.

Num momento da conversa, finalmente perguntei de chofre à Henrique:

-- O que faria o MIR em caso de se concretizar o golpe militar nos próximos dias.

Ele respondeu com um balde de água fria:

-- O MIR vai cair na clandestinidade e combater com guerrilha rural e urbana.

Falei para mim mesmo: “já vi esse filme”.

Se o momento não fosse aproveitado pela grande união da esquerda existente , e pela mobilização popular em curso contra o golpe, a força da reação seria irresistível militarmente, e cairíamos numa ditadura como a brasileira, e a uruguaia que havia se iniciado nesse mesmo dia, com o fechamento do congresso pelos militares.

Além disso, o MIR na clandestinidade, numa guerrilha urbana, estaria fadado a um fracasso como o do Brasil, além de que os militares chilenos eram muito mais competentes que os brasileiros.

O Tancazo foi em 29 de junho. O dia 18 de setembro é a data nacional da independência chilena, como o nosso 7 de setembro, quando as forças armadas desfilam exibindo todo o seu poderio militar.

Para mim, restava claro que o golpe ocorreria no máximo até o “dieciocho”, dia nacional chileno.

Eu já estava há dois anos no Chile, e com um processo na “extrangería” solicitando visto permanente de exilado. No dia seguinte ao Tancazo e à informação de Enrique sobre a atuação do MIR e da esquerda, me convenci de que ficar no Chile era uma opção de suicídio ou cadeia.

Corri até a “extrangería” e retirei todos os papéis do meu processo de pedido de residência e pedi um visto temporário de turista de três meses.

Por incrível que pareça, isso salvou a minha vida, pois após o golpe, todos os estrangeiros exilados ou com pedido de exílio foram sumariamente executados.

TANCAZO

https://www.sul21.com.br/noticias/golpe-no-chile-40-anos/2013/06/o-tancazo-o-golpe-fracassado-de-29-de-junho/

FILME:

https://youtu.be/XrhQWzFUFS0