sexta-feira, 30 de abril de 2021

Minha Versão - Capítulo 33 - Dividindo com Jorginho e Zezé a casinha de 3 Poniente, 2330

 Dividindo com Jorginho e Zezé a casinha de 3 Poniente, 2330

 

Voltamos de Valparaiso, e sem pensar em mais nada, sem combinar nada, com a maior naturalidade, fomos morar juntos no meu quartinho na casa de Jones. 

 

Sem conversar nada, como se fosse decorrência natural daqueles dias na mansarda da Hostal com vista para o Pacífico. Andávamos como a dois palmos acima do chão, duas crianças de 21 e 17 anos indo morar juntas sem pensar em nenhuma consequência.

 

O meu futuro sogro, José Etcheverry ou Pepin como o chamávamos, estava viajando pela Índia, estudando Yoga. Por isso, Marisol pôde contar a estória em casa de que ía viver com “umas amigas” da faculdade.

 

A casa de Jones nas “Torres de Macul” não era muito apropriada para nós, mas logo surgiu uma oportunidade melhor. 

 

Jorginho e Zezé, com quem eu havia passado o Natal na casa de Mario Pedrosa, moravam numa adorável casinha de três quartos na “Villa Santa Carolina” estavam procurando alguém para dividir o aluguel.

 

Villa fica nos fundos da “Viña Santa Carolina” e a casinha na rua 3 Poniente número 2330.

 

Fica um pouco depois da Avenida Maratón, perto do Estádio Nacional de tétricas lembranças, e de um conjunto de edifícios conhecidos como “Villa Olímpica”.

 

Entrei nesses detalhes geográficos, porque a proximidade com o Estádio Nacional, onde foram presos milhares de opositores, inclusive brasileiros, durante o golpe de 1973, é um dado importante para quando, num capítulo adiante, descrevo minha experiência com o golpe de Pinochet e os fuzilamentos noturnos no estádio.

 

Mas na época, a proximidade com a “Viña Santa Carolina” era um fator positivo. Tinham uma pequena loja onde podia-se comprar vinho no varejo, por preços excepcionais. Gostava muito de um Cabernet Sauvignon conhecido com “Santa Carolina Tres Estrellas” com três estrelinhas douradas no rótulo.

 

A casa, que mostro na foto, era um doce, uma maravilha romântica para nós.

Jorginho e Zezé não eram muito de curtir casa, “brincar de casinha” como os casais novos. Talvez por Zezé trabalhar muito, cobrindo a realidade chilena para a Folha de São Paulo, ou por já estarem há alguns anos juntos, com uma certa antipatia latente entre os dois.

 

Nós sim, curtimos muito nossa primeira casinha, colocando móveis, tapetes, artesanato, pôsteres do nosso gosto da época. Uma estética meio revolucionária, “handmade” com um forte colorido latino-americano.

Como por exemplo, pôsteres de Valparaiso e de Che Guevara.

 

Jorginho que se dizia “freelancer” do Pasquim, trabalhava pouco, e passava a maior parte do tempo em casa lendo. Se não me engano, nesse tempo militava na “Dissidência” como era chamada a ala resultante do grande racha do PCB, mas estava cada vez mais próximo de Trotsky e do nosso grupo, o “Ponto de Partida”.

 

O Ponto de Partida, no qual eu havia entrado pelas mãos de Jones, achava-se a semente do futuro, verdadeiro, autêntico, partido Bolchevista/Leninista e o próprio representante da IV Internacional no Brasil.

Embora coubéssemos todos numa Komby e estivéssemos todos exilados, portanto fora do Brasil. 

Mas pelas suas concepções, eu via Jorginho no novo partido como uma indiscutível vocação para um futuro burocrata do politburo.

 

Jorginho e Zezé, acho que ele carioca e ela nordestina, tinham uns 1,50 m de altura cada um. Eram pequenos, magros, ativos, e não sei se os dois, ou só Jorginho, verdadeiros leões na cama. 

 

Eu sabia disso porque ficamos com o quarto ao lado, separado apenas por uma parede de um material de gesso, na época chamado “Volcanita”.

A volcanita era um bom isolante térmico, mas péssimo acústico, e quase sempre, passávamos as noites acordados ouvindo urros, que se não fosse do Jorginho, eu facilmente atribuiria a um leão no cio.

 

Fora isso, nossa vida era muito, digamos, agradável, romântica, idílica. Andávamos em êxtase com essa nova experiência de pombinhos em novo e próprio pombal.

 

Melhor ficaria, logo depois, quando assumíamos a casa inteiramente para nós, como acontece no próximo capítulo...