sábado, 7 de novembro de 2020

Minha Versão - Capítulo 08 - Reuniões intensas nos apartamentos do Flamengo, Catete e Largo do Machado

 Reuniões intensas nos apartamentos do Flamengo, Catete e Largo do Machado

 

Aos poucos, com a minha atuação no diretório e nas manifestações, fui me aproximando cada vez mais dos grupos e organizações que lideravam o movimento.

 

A maioria dos estudantes de fora do Rio de Janeiro, morava em apartamentos no Flamengo, Catete, Largo do Machado, Glória, Laranjeiras e redondezas.


Os alugueis eram mais baratos, estavam no centro do agito cultural da época e formavam “repúblicas” onde se podia rachar a aluguel.

 

Esses bairros eram cheios de bares com mesinhas na calçada, abertos até altas madrugadas com boêmios, poetas, vagabundos, estudantes, cafetões, cineastas, prostitutas e toda sorte de intelectuais contestadores dos anos 1960.

 

O ar era de Quartier Latin. Tinha a Faculdade de Direito da UERJ e os cinemas do Largo do Machado, os inúmeros bares e botecos nas ruas Paissandú, Marques de Abrantes, com o famoso e secular Café Lamas, Senador Vergueiro, Rua do Catete... 

 

A esquina da Paissandú com a Senador Vergueiro era a própria esquina dos Boulevards, Saint-German com Saint-Michel. Era no Lamas, que nomes famosos da música e teatro se encontravam depois das peças e shows, para comer seu maravilhoso e famoso bife.

 

Mas o ponto alto era o Cine Paissandú. Praticamente um cinema de arte, que exibia as novidades do cinema europeu, latino-americano, asiático, e claro, do Cinema Novo Brasileiro. Só não passava Hollywood.

 

Ali toda sexta-feira às 24 horas exibiam um dos sucessos dos filmes politicamente engajados. Godard, Glauber Rocha, Bergman, Eisenstein, Fellini.

 

Depois do seção um cineasta ou crítico conduzia uma palestra sobre a obra e abria a discussão para o público de um cinema sempre lotado, revolucionário e cheio de “verdades” para falar. O pau quebrava.

 

Depois de uma ou duas horas, cansados de brigar e satisfeitos por ouvirem a própria voz, todos continuavam a discussão, mas agora num diálogo mais ameno refrescado por um excelente chopp dos bares à volta, sempre muito bem tirados, como só no Rio de Janeiro.

 

Mantínhamos constantes reuniões noturnas nesses apartamentos. Ali estudávamos, líamos os clássicos do marxismo-leninismo fazíamos seminários que iam da Revolução Francesa à Guerra do Vietnã, passando por Rosa Luxemburgo, Revolução Russa de 17, a chinesa de 1949 e a Cultural de 1966, ainda recente. Sem falar na nossa preferida, por ser latino-americana, a de Cuba de poucos anos antes.

 

Eram vários grupos quase todos originários do antigo PCB – Partido Comunista Brasileiro. Inúmeras facções resultado de rachas contrários à estratégia legalista do PCB, e que vieram a se tornar embriões de novas organizações revolucionárias responsáveis pelas tentativas, todas derrotadas, de luta armada, rural e urbana dos anos seguintes.

 

Sentíamo-nos, e assim nos denominávamos, a vanguarda revolucionária do país e da América Latina. Já agíamos como se estivéssemos na clandestinidade, e cada apartamento de estudante fosse um “aparelho”.

 

É claro que com meus 18 anos, completados em março de 67, e a prepotência natural dessa idade, tinha todas as respostas e soluções para a derrubada da ditadura, e me dedicava única e exclusivamente a isso.

 

Morando em Niterói, naquela época sem ponte e sem ônibus diretos para o Rio, dependia de lentas barcas para cruzar a baia da Guanabara, mas a Revolução não podia esperar. 

 

Com tantas atividades político-etílico-intelectuais ficava difícil ir a Niterói,  então dormia por favor em apartamentos de colegas e ia em casa a cada dois ou três dias para trocar de roupa, dar um beijo e acalmar o coraçãozinho preocupado de minha mãe. 


É claro que não dava para estudar para o difícil primeiro ano da Engenharia, não sei como, mas passei de ano ficando reprovado em duas matérias, que naquela época chamavam de “dependência”, ou seja, o aluno teria que no ano seguinte cursar todas as novas matérias mais aquelas que não tinha passado no ano anterior. 

 

Mas o ano seguinte foi 1968, como já disseram “o ano que não acabou”...