sábado, 24 de outubro de 2020

Minha Versão - Capítulo 06 - As Passeatas Contra a Ditadura – Rua do Rosário, cavalos e bolas de gude.

 As Passeatas Contra a Ditadura – Rua do Rosário, cavalos e bolas de gude.

 

A ditadura, a censura, a repressão cultural, as prisões, recrudesciam em 67.

O golpe de 1964 restringia cada vez mais as liberdades democráticas numa verdadeira escalada reacionária.

 

Com o Marechal Castelo Branco, ainda tentavam manter um verniz, um simulacro de democracia, mas com a ascensão de Costa e Silva, o regime mostrou todas suas garras.

Era preciso resistir, e fomos para as ruas.

 

A idéia era insistir em pequenas manifestações por várias partes da cidade. Eram os chamados “Comícios Relâmpagos”, onde se atacava a ditadura, se denunciava os desmandos. “Panfletávamos”, informando à população o que a grande imprensa não podia falar. 

 

Como numa tática de guerrilha, reuníamos de surpresa 40, 50 estudantes  numa esquina pré combinada, alguém subia num caixote, poste, carro, o que houvesse, e começava a discursar contra a ditadura, denunciar desmandos e arbitrariedades. A manifestação durava de 10 a 20 minutos, e dispersávamos no meio da multidão não dando tempo para a polícia chegar.

 

Dependendo da receptividade, do local e do número de estudantes, iniciávamos  pequenas passeatas, normalmente aplaudidas e seguidas pela população.

Essas ações eram planejadas nos Diretórios Centrais das Universidades, DCEs  e executadas pelos diretórios das faculdades, principalmente da UFRJ e UERJ, respectivamente federal e estadual do Rio de Janeiro.

 

Algumas vezes, quando não conseguíamos dispersar antes da chegada da polícia, os enfrentamentos eram inevitáveis.


Era a Polícia Militar do Rio de Janeiro, até então também despreparada para a repressão a manifestações. Agentes do DOPS, quando tinham tempo, chegavam e eram bem mais perigosos, sacavam armas e saíam alguns tiros.

 

Com o passar dos meses de 1967 as manifestações cresciam em número de participantes e organização, e a repressão por sua vez, também se organizava melhor.


Passaram a ter informantes dentro das faculdades e conseguiam descobrir a hora e local de uma manifestação que deveria ser de supresa, e aí a repressão era mais forte. Começaram a conseguir fazer algumas prisões.

 

O palco principal dessas verdadeira batalhas campais era o centro do Rio, Avenida Rio Branco e ruas próximas. 

Alguns prédios eram habituais, como o antigo Ministério da Educação, o “Calabouço”, restaurante universitário ao lado do aeroporto Santos Dumond, Estação de trens da Central do Brasil, etc..

 

Quando uma manifestação era descoberta à tempo pela inteligência da polícia, preparavam-se com todos os instrumentos. Mobilizavam os caminhões fechados para presos, os “Corações de Mãe”, porque sempre cabia mais um, os blindados com jatos de água, pelotões em cima de caminhões de transporte de tropas e a temida Cavalaria da Polícia Militar.

Quando uma passeata se formava, a cavalaria atacava derrubando os manifestantes com grandes cassetetes e a patas de cavalo.

 

Contra as tropas à pé, lutávamos com paus e pedras e devolvíamos as bombas de efeito moral e as granadas de gás lacrimogênio.

As calçadas de pedras portuguesas, principalmente as do Ministério da Educação, forneciam excelente munição contra a polícia, arrancada uma pedra, as outras saem facilmente, e eram pesadas e angulosas.

 

Contra a cavalaria, a luta era bem mais difícil, até que alguém descobriu o efeito mágico das bolas de gude.


Quando a cavalaria avançava, em trote ou galope contra a multidão, lançávamos e enchíamos a rua de bolas de gude. 

Essas bolas entravam entre as ferraduras e faziam os cavalos derraparem, abrirem as pernas e cairem estrondosamente, lançando seus cavaleiros a metros de distância.

Cada cavalo que caía, o povo gritava se regozijando como na hora de um gol.

 

Lembro de um dia que ficamos encurralados na Rua do Rosário, estreita e com calçadas de pedras portuguesas. A cavalaria lançou uma carga contra nós. Enchemos a rua de bolas de gude, e quando uns cavalos caiam sobre os outros, atacamos com um artilharia de pedras portuguesas. Os cavaleiros agora à pé, fugiam como baratas tontas.