sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Minha Versão - Capítulo 17 - O assalto ao cartório - a prisão no DOPS da rua da Relação

 

O assalto ao cartório – a prisão no DOPS da rua da Relação. A invasão do apartamento. A prisão de Claudinho. O Ferryboat Rio-Niterói – O cigarro com gosto de último.

 Cheguei no meu apartamento da rua Gavião Peixoto um pouco mais cedo que o habitual, pois havia dado só as duas primeiras aulas no cursinho pré-vestibular no centro de Niterói. Era em torno das 20:00.

 Tentei levar a mão ao bolso para pegar a chave e a porta se abriu sozinha. Um homem alto, forte, com uma metralhadora debaixo do braço me puxou para dentro e me algemou.

Era junho de 1971, minha mãe tinha vindo cuidar da Carla, então com um aninho, enquanto a Eliane estava na faculdade. Choravam as duas apavoradas. Minha mãe com a Carla no colo andava de um lado para o outro da sala sem saber o que falar.

Um outro brutamontes menos alto e mais gordinho, que parecia o chefe,  começou a gritar: “onde está o dinheiro?”, “cadê as armas?”, “é melhor falar agora antes que seja tarde e que você se arrependa de tanta porrada”.  Quanto mais falava, mais mamãe chorava, e a Carla chorava junto. Eu estava com medo de que batessem na bebê. Sabia que eram capazes disso e até pior.

Dois outros, magrinhos, tipo malandro da Lapa, com pistolas automáticas, calças largas, reviravam o apartamento. Não ficou uma gaveta, do armário, do quarto, da cozinha, banheiro sem ser revirada. Não demorou muito, pois o apartamento era muito pequeno. Sala, quarto, banheiro e cozinha minúscula. Ficou tudo jogado no chão, espalhado por todo o apartamento.

Um dos magrinhos saiu, ficou uns dez minutos fora e voltou dizendo: “tem outro cabeludo e barbudo que pega ele todos os dias de manhã de carro”.

E o “chefe” disse: “se não disser quem é, seu bebê vai voar pela janela”. Estávamos no nono andar.

Coitado do Claudinho. Meu colega de faculdade que nunca tinha participado de nada, meu amigo já na segunda fase, quando eu só estudava e trabalhava. Claudinho tinha um fusca bege bem velhinho e todos os dias me dava carona até a praça Araribóia, onde embarcávamos para o Rio de Janeiro. Não sei onde andará Cláudio de Faria Augusto, grande, inteligentíssimo e saudoso amigo.

Fomos numa Camionete Veraneio, eu ainda algemado, assustando o porteiro na saída, buscar o Claudinho em casa. No caminho eu explicava que éramos estudantes de engenharia, que apesar de barbudos nada tínhamos com o movimento estudantil, então proibido e banido, que o Claudio apenas me dava carona e íamos juntos para a faculdade.

Acho que meu discurso dentro da Veraneio surtiu algum efeito, pois disseram ao Claudinho que iriam levá-lo apenas para averiguação e permitiram que fosse com seu fusca, seguindo a viatura do DOPS e com um policial no carro.

Pegamos o Ferryboat para o Rio, o carro do Claudinho na frente e a “viatura” atrás. Era uma noite agradável, e a brisa do mar novamente me revigorou. Acho que os policiais já estavam achando que perderam tempo, parecia que realmente nada tínhamos a ver com o ocorrido, que eles não revelavam.

Falei com o menos antipático, o magrinho com pinta de malandro da Lapa: “Pô, nesta lancha não tenho como fugir, me deixa fumar um cigarro”.

Surpreendentemente ele me tirou as algemas, saímos da camionete e nos apoiamos na borda da lancha onde fumei talvez o melhor cigarro da minha vida. Pensava que poderia ser o último, por isso aproveitei cada tragada.

Fomos levados para a sede do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social na Rua da Relação 40, esquina com Rua dos Inválidos, no centro da cidade do Rio.

É um belo edifício da primeira década do século XX, projeto de Heitor de Mello, famoso arquiteto da época. A fachada, embora clássica e bonita, é muito sóbria, sombria, diria assustadora.

Embora seja uma coincidência histórica, nunca deixei de associar com o fato de estar  justo na esquina da Rua da Relação com Rua dos Inválidos. Foi projetado e construído para ser a sede da polícia civil do estado, onde foram instaladas algumas delegacias e o Museu da Polícia.

Durante a ditadura, instalou-se no último andar o temido DOPS, diretamente comandado por militares e até certo ponto hostilizado pelos demais policiais que trabalhavam em outros andares.

Sem dar nenhuma explicação, nem porque nem onde eu estava sendo preso, me largaram num corredor fechado por grades de ferro com várias celas cujas portas, também de grades de ferro estavam todas abertas para o corredor. Não vi mais o Claudinho desde que ele estacionara seu fusca no pátio interno do prédio.

Vi logo na primeira cela, que era grande e tinha umas 10 beliches, um grupo de senhores com idade de 50 para cima. Passei direto, as próximas celas, bem menores, tinham apenas um beliche e uma privada turca. Estavam quase todas vazias.

Na primeira, um jovem magro, fala agitada, me perguntou o motivo da prisão, eu não sabia. Morrendo de fome, vi em cima da cama superior do beliche, um pedaço de pão duro, devia ser de alguns dias. Comecei a roer o pão, e o meu novo amigo de cela riu e disse: “Não come isso não, vamos lá na Maracanã que eles arrumam alguma coisa pra você comer”...

Maracanã? Detalhes no próximo capítulo.