sexta-feira, 2 de abril de 2021

Minha Versão - Capítulo 29 - Elígio - apoio para chegada da Eliane.

 Elígio - apoio para chegada da Eliane, uma semana na casa de Enrique Foster.

 

Capítulo Anterior:

Meu pai tinha feito contato com um antigo colega de IBGE que estava trabalhando na CEPAL, o Elígio. Ele deu seu endereço e prontificou-se a me ajudar no que fosse possível. Eliane trouxe o endereço para que o visitássemos...

 

                                                                ***

 

Elígio tinha um status de diplomata, pois trabalhava num órgão da ONU e com um alto cargo.

 

Morava numa belíssima casa da rua Enrique Foster em Las Condes, bairro chique de Santiago. A casa tinha um estilo e planta baixa das casas tradicionais inglesas. No térreo, um hall de entrada, uma gostosa sala de estar com poltronas e sofás fofos de couro, e lareira tradicional. Mais ao fundo uma ampla sala de jantar com uma enorme porta-janela envidraçada dando para um lindo e bucólico jardim. Um filme londrino. Tipo “Muito além do jardim”.

 

No hall de entrada uma escada de madeira escura levava para os quartos, banheiros e mezanino do piso superior. 

 

Lembro bem de todos os detalhes, por ter ficado muito impressionado com tudo aquilo, uma decoração tradicional, de extremo bom gosto com dimensões que não estava habituado, ou nunca tinha visto no Brasil.

 

Dois dias depois da chegada da Eliane, liguei para o Elígio, que foi muito simpático e imediatamente nos convidou para jantar em sua casa na noite seguinte.

 

Elígio, um pernambucano que tinha chegado para estudar no Rio de Janeiro sem muitos recursos, foi colega e confidente do meu pai quando entraram no IBGE. Sozinho na cidade grande, tinha praticamente sido adotado pela minha família e comparecia inclusive às festas de Natal e aniversários.

Foi muito constrangido, com minhas roupas e aparência geral de semi-hippie que chegamos para o jantar.

 

Ele e sua esposa nos receberam como da família, sentamos para um drink inicial no living. Scotch 18 anos, um vinho branco, etc... 

 

Prosseguimos com um lauto jantar regado a Cabernet Sauvignon, um verdadeiro banquete para nós, acostumados com o feijão com arroz de todo dia.

 

A conversa também começou muito agradável, Elígio contou suas peripécias de juventude com meu pai, os porres que tomaram juntos, viagens comuns, etc.

 

Eu sentia que ele nos adotaria também como foi adotado por minha família 20 anos antes em Niterói, mas contava minha história apenas superficialmente, como se tudo, inclusive a necessidade do exílio,  houvesse sido um mal entendido, sem expressar minhas posições políticas, em relação à ditadura brasileira e ao processo chileno.

 

Depois do jantar, durante o vinho do porto, ele abriu o jogo:

— Embora seu pai fosse PTB, janguista e brizolista, eu era UDN, e defendo  a “Revolução de 64”, e os militares que estão livrando o Brasil do perigo comunista.

 

Engoli em seco. Afinal de contas, minha vida, da Eliane e futuramente da Carla dependiam de um final “agradável” para esse jantar. Inclusive, meu pai já havia combinado de enviar-me 100 dólares mensais através de Elígio, que como funcionário internacional tinha o privilégio de poder, no Chile da Unidad Popular, receber dólares do exterior sem problemas.

 

Entendi a jogada, ele, um homem muito inteligente, já tinha percebido tudo e quis logo mostrar que me ajudava pela amizade com meu pai, mas não pela minha condição de exilado. Amigos amigos, política à parte.

 

 Também nada falei sobre a situação delicada do meu casamento, pois a ajuda era para um “jovem casal” com problemas que queria trazer uma filha para criar junto.

Nesse tempo, e hoje me arrependo, tinha uma concepção totalmente negativa da família tradicional, a qual contestávamos social e psicologicamente.

 

Elígio explicou que, como era fim de ano, iriam viajar de férias, mas deixariam que ficássemos na casa nas duas próximas semanas. Disse ainda que teria visto com um amigo, um apartamento para que alugássemos, e que ele serviria de fiador.

 

Voltamos para casa de Jones muito aliviados, pois mais uma vez, graças ao amor e dedicação de meus pais, estaríamos bem acomodados e com uma sobrevivência assegurada.

 

Passamos duas semanas naquela casa que para nós era uma mansão. Foram dias de curtição e muita briga, muita DR. Discutíamos a Relação revendo toda nossa história, e a fuga do Brasil com o mal entendido da saída.

 

Essa revisão da relação foi uma verdadeira terapia, e ficamos, pelo menos eu fiquei, convencidos de que a separação seria inevitável. 

 

Resolvemos esperar até o Natal que estava próximo, e a mudança para o novo apartamento para ficarmos seguros da decisão.