sexta-feira, 2 de julho de 2021

Minha Versão - Capítulo 42 - O golpe - os tanques na 3 pontente - Os tiros no Estádio Nacional

 O golpe - os tanques na 3 poniente - Os tiros no Estádio Nacional - A invasão do ap. da Galvarino Gallardo - Os vizinhos socialistas.

O trauma do Tancazo na sexta-feira, 29 de junho ainda não tinha passado quando numa terça-feira dia 11 de setembro às sete da manhã, acordo com a cama e a casa tremendo.

 

Pensei, ainda sonolento que era mais um “temblor” (pequenos terremotos)  que acontecem em Santiago quase que semanalmente, mas prestando mais atenção, o “temblor” era acompanhado de um enorme barulho de motores. 

 

Corri para a janela da sala, e afastando levemente a cortina, vi que tanques passavam na rua. Logo na “3 poniente”, uma rua tranquila e estreita da “Villa Santa Carolina onde eu morava.

 

A rua é estreita, e mal dá para passarem dois carros pequenos ao mesmo tempo, um tanque de guerra então, ocupa quase toda a largura da rua. 

Da janela vi que atiravam, com suas metralhadoras .30 para o chão da pacata “3 poniente”

 

Estratégica e taticamente a rua “3 poniente” não significa nada. Ficou claro que as rajadas das metralhadoras eram apenas para assustar e ameaçar os moradores, 

 

Agora sim, ERA O GOLPE. E constatei que tinha errado meus cálculos.

 

Eu imaginava que o golpe seria no dia 18, data nacional do Chile, quando as forças armadas desfilam exibindo todo o seu poderio. 

Mas resolveram antecipar em uma semana.

 

Segundo meu plano de fuga, havia comprado duas passagens de VARIG para o Rio de Janeiro usando todos os dólares guardados dos enviados mensalmente pelo meu querido pai. Só que eram para o dia 15, três dias antes do presumido golpe, que afinal ocorreu no dia 11, quatro dias antes da viagem.

 

É claro que essas passagens dependiam de muitas coisas, principalmente da autorização de Pepin, o pai da Marisol para liberar a viagem da filha para o exterior, sendo que ela com 18 anos era menor de idade pelas leis chilenas da época, a maior idade para viajar sem autorização dos pais era de 21 anos. 

 

Mas eu pensava, romântica e adolescentemente que o convenceria do nosso amor e das minhas boas intenções, embora ele fosse militante de uma milícia de extrema direita de defesa do bairro contra comunistas e exilados terroristas

 

Liguei o rádio na estação socialista que ouvia todas as manhãs, e depois de alguns minutos informando sobre os desdobramentos e avanços do golpe, subitamente saiu do ar, ficando um chiado apavorante do qual me lembro e escuto até hoje.

 

Tentei sair para ir até a praça central da Villa Santa Carolina, para quem sabe me informar  de mais notícias e comprar víveres, mas passavam novos tanque e caminhões de transporte de tropas. 

 

Resolvemos ficar quietos em casa, aguardando acontecimentos que nunca vinham, porque as rádios estavam todas silenciadas e invadidas pelo exército.

 

Felizmente tínhamos alguma coisa para comer nesses dias, e resolvemos nos trancar e aguardar.

 

No segundo dia, todas as rádios começaram a transmitir as mesmas notícias, informando que o governo da Unidade Popular tinha sido deposto, e que as Forças Armadas controlavam todo o país. E mais um monte de besteiras assustadoras, como convocando todos os asilados a comparecerem ao Estádio Nacional para serem registrados e conclamando todos os trabalhadores que ainda resistiam nas fábricas a se entregarem, senão seriam presos, etc...

 

Continuei em casa, é claro que não acreditei na história dos exilados comparecerem ao Estádio Nacional.

 

No terceiro dia, arrisquei ir novamente ao centro comercial do bairro para comprar alguma coisa para subsistência, como pão e leite.

 

No bairro, todos se conheciam, e ao chegar na padaria, o dono, “momio” reconhecidome perguntou:

 

— Oye brasilero, todavia no te agarraram? Todos aqui sabemos que eres terrorista weón. Correte de aqui que te vamos a denunciar, weón.

 

Comprei o meu pão, dei um sorriso como se fosse uma brincadeira e voltei correndo pra casa, para mais uma noite de pavor.

 

O toque de recolher terminava às sete da manhã. Sai para a avenida. Maraton para averiguar a verdadeira situação.

 

Logo que dobrei a esquina, na primeira quadra, vi no chão uns vinte corpos, fuzilados na noite anterior por desrespeitarem o “toque de recolher”.

 

Estavam alinhados um ao lado do outro na calçada, organizadamente como num desfile militar, junto ao muro de uma fábrica. Fingi não parecer chocado nem ao contrário, continuei caminhando, ao lado dos corpos dos operários como se tudo fosse completamente normal.

 

Depois vim a saber que todos os corpos fuzilados durante o toque de recolher, eram recolhidos antes das sete, mas naquele local houve um atraso. Atraso que até hoje me assombra em alguns pesadelos.

 

As casas da “población” eram pareadas duas a duas, e eu tive a sorte de que o nosso vizinho de parede fosse uma família socialista, solidária, e tinham telefone. Para não transparecer cumplicidade, pulei o muro de trás, entre os quintais e consegui ligar para Eliane. 

 

O apartamento dela na Rua Galvarino Gallardo tinha sido invadido pelo exército, denunciada pelos vizinhos direitistas, mas que procuraram armas e como nada encontraram e viram que era uma família com uma criança pequena, foram embora. 

 

Eliane, Carla e o marido estavam bem e tinham um esquema para tentar sair do pais por terra, pelos Andes.

 

Passamos ainda algumas noites de terror.

 

Como já disse num capítulo anterior, morávamos muito próximo de Estádio Nacional, para onde foi levada a maioria dos prisioneiros iniciais do golpe em Santiago.

 

A cada noite, depois do toque de recolher, vivíamos verdadeiras seções de terror. 

De hora em hora, escutava-se um saraivada de balas. Eram as execuções sumárias que aí se realizavam. Mas o pior, eram os tiros que vinham depois da saraivada. Eram o “tiros de misericórdia”, dados um a um nas cabeças dos executados para que não restasse dúvida de que foram mortos.

 

Até hoje me lembro desses tiros, porque contando, eu sabia quantos teriam sido mortos naquele fuzilamento.

 

Como salvar-me desse inferno?

 

Graças aos tangos argentinos e boleros caribeños como verão no próximo capítulo.


capítulo.


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