Chegada a Santiago
Meu destino era Santiago, mas ninguém tinha me
dado um contato, onde ficar, nada.
Tinha meu colega da Faculdade de Engenharia, Jones
de Freitas, pernambucano arretado, revolucionário de primeira e trotskista
convicto. Um dos caras que eu mais admirava na nossa militância, com muita
cultura e de pensamento rápido, claro, preciso, objetivo.
No trem, Mendoza - Santiago, onde conheci e
conversei com o senhor nordestino (João Amazonas/Julião?), fiz amizade com a
brasileira que o acompanhava, baixinha, bonitinha, cabelo preto escorrido que
parecia também estar indo se exilar, mas já conhecia o trajeto, já tinha vivido
em Santiago, talvez fosse uma emissária de uma das várias organizações
clandestinas, ou estivesse dando apoio para a fuga do senhor misterioso. Mas
isso não se perguntava, sob pena de ser confundido com um agente infiltrado do
SNI, CENIMAR, Polícia Federal, etc...
Chegando em Santiago, na estação Mapocho,
expliquei meu drama. Não sei onde ficar, disse que tinha um amigo de nome
Jones. Ela pediu meu nome, origem e me
passou um telefone de contato. Iria procurar meu amigo e que eu ligasse no dia
seguinte.
Nessa época, a esquerda brasileira no Chile
tinha um centro de apoio aos exilados para troca de informações seguras. As
diversas organizações e partidos aí representados verificavam os nomes dos
recém chegados, sua origem, se tinha alguma ligação com a repressão, se poderia
ser um infiltrado, etc...
Uma vez checada a origem, ajudavam também com
alojamento, roupas para o frio e alimentação, durante um tempo pre-fixado e
somente para aqueles que não tinham levado dinheiro suficiente. Contavam com
apoio de entidade chilenas e internacionais de ajuda a refugiados.
Felizmente, eu tinha dólares suficientes para
um bom tempo, pois o câmbio, com a inflação galopante dos tempos de Allende,
era extremamente favorável ao cruzeiro.
Passei a noite num hotelzinho perto da estação
de trem de Mapocho, dei umas voltas pelo agradável centro de Santiago. Um belo dia
de sol e de liberdade. Como era bom não ter que se preocupar em estar sendo
seguido, controlado, ameaçado.
Subi pela margem esquerda do rio Mapocho, que
estava cheio pela vazão do degelo.
Curtindo o arzinho gelado, os álamos e as
flores do parque da Avenida Costanera, com os Andes ainda nevados ao fundo. Me
sentia num cartão postal, num musical americano com final feliz.
Descobri a calle Huérfanos, a Plaza
de Armas e caminhei até o palácio “La Moneda”, bonito na sua imponência, e que
seria bombardeado pela Força Aérea chilena dois anos depois, numa demonstração da
imbecilidade, truculência e irracionalidade a que podem chegar milicos ensandecidos
pela mídia de uma burguesia “asesina”. Militares que bombardeavam e
destruíam um dos símbolos mais bonitos e respeitados pela nação chilena, e por eles
mesmos.
Depois de comer um delicioso sanduíche totalmente
estranho para mim, “lomito palta mayo”, finas fatias de lombo de porco
cozidas, passadas na chapa, misturadas com maionese e salada de abacate num pão
de hamburguer, encontrei um telefone público e liguei para o número que me
havia dado a brasileirinha do trem.
Ela já havia checado meu nome, que estava tudo
bem, e que tinham encontrado meu colega Jonnas. Ele morava nas Torres de
Tajamar, logo no início do bairro de Providencia.
Passou-me o endereço, mas achei estranho ela
falar “Jonnas”, porque meu colega de faculdade era Jones. Mas fui para o lugar
que me mandara.
Jonnas morava no nono andar de uma das torres
mais modernas de Santiago. Fui recebido por sua mulher que me ofereceu um café,
uma poltrona e disse que o Jonnas chegaria em duas ou três horas, mas que já
estava sabendo da minha presença.
Fiquei só na sala com uma linda vista para o
Mapocho. Esperei uma ou duas horas sentado, até que, olhando para fora, notei
que a paisagem se movia levemente, de um lado para o outro, como se num filme
balançassem a câmera. Fiquei mais impressionado quando o lustre começou a se mover
também num vai e vem pendular.
Experimentava o meu primeiro “temblor” no
Chile, logo no segundo dia. Não entendia o que estava acontecendo, até que a
empregada da casa veio correndo da cozinha dizendo: “Está temblando señor”.
Quando me dei conta, tudo já tinha passado.
Quem vive essa experiência pela primeira vez nem fica assustado, porque não
sabe o que está acontecendo, e é tudo muito rápido. Mas depois que conheci o “temblor”,
que acontece quase semanalmente em
Santiago, passei a ter medo, porque eventual mas raramente pode se transformar
num terremoto.
Finalmente Jonnas chegou. Seu nome era Jonnas
Jonissen, e não o Jones Freitas que eu procurava. O Jonnas não era exilado,
estava fazendo um mestrado em economia na Universidad de Chile e na CEPAL - comissão
Econômica Para América Latina e Caribe, órgão da ONU com sede em Santiago.
Jonnas sabia da minha existência por ter sido
aluno do meu pai na Faculdade de Economia da UFF – Universidade Federal
Fluminense, e por isso aceitara me receber como um gesto de solidariedade, mas
estava claro que não tinha sentido eu ficar em sua casa.
Como já anoitecia, muito atenciosamente me
convidaram para jantar quando contei toda a minha história, desde Niterói até
Santiago.
Depois de alguns telefonemas, outros
brasileiros exilados, conhecidos de Jonnas, ficaram de contatar o verdadeiro
Jones e me avisar no dia seguinte o seu paradeiro.
Dormi essa noite num quartinho do apartamento
que estava sendo preparado para a chegada do bebê deles que estava a caminho.
Dia seguinte, depois de um sono dos justos e
de um belo café da manhã, toca o telefone, o Jonnas atende e me passa.
Depois de algumas perguntas, sobre quem eu
era, onde estudava, como conhecia o Jones, etc, me passaram o endereço do
trabalho dele, fiquei feliz em saber que ia ver meu velho companheiro, mas não
sabia a surpresa que me aguardava...
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